quarta-feira, 15 de julho de 2020

Candidaturas negras no Amapá em 2014 e 2018

Nilson Gomes de Oliveira*


Foto: Amapá Digital

O que impede a representatividade de negros e negras na política? Bom, usualmente o tema é abordado pela ausência de representatividade, diversidade e pluralidade étnica. Nesta última década (2011-2020) a crise de representatividade que ficou em destaque, foi a representação política, ou seja, a relação de confiança entre eleitores e candidatos a prefeito, governador, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores e presidente.

Isso ficou nítido a partir das jornadas de junho de 2013, com o questionamento sistemático aos políticos profissionais. Essa crise de representação política, esconde uma outra crise de representação. Qual seria? A crise de representação étnico-racial.

A partir disso o sistema de representação política da democracia liberal guarda em si, implicitamente e explicitamente formas de exclusão política que faz fronteira com o racismo institucional. Silvio Almeida diz que o racismo institucional se estabelece como um domínio, utilizando parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Nesse sentido, o racismo é dominação.

Do ponto de vista institucional encontramos vários sintomas da exclusão política de negros e negras da política representativa, para a manutenção de um padrão político dominados por homens brancos.

Nas eleições gerais de 1994 a 2010 para governador, deputados federais e estaduais, senador e presidente da república, o sistema de dados da Justiça Eleitoral ao tratar do perfil dos mesmos, não abordava as categorias raça/cor como forma de definir o perfil dos candidatos, constituindo desse modo, omissão institucional para sistematizar um banco de dados de candidaturas negras.  

A lacuna histórica acerca das candidaturas negras, não foi raio em céu azul. As raízes dessa omissão institucional, é derivado das formas de sociabilidade construídas em decorrência da herança colonial, escravocrata e latifundiária do Brasil.

O Tribunal Superior Eleitoral – (TSE) passou a contabilizar candidaturas negras nas eleições gerais, somente a partir de 2014, tendo contabilizado também em 2018.  No caso da Justiça Eleitoral, a terminologia estabelecida para auferir o quantitativo de candidaturas na ótica da raça/cor é: branco (a), pardo (a) e preto (a).

Em 2014 o Brasil registrou 26.174 candidaturas, sendo que apenas 84% foram válidas, portanto, 21.899. O registro de candidaturas de pretos e pretas em 2014 no Brasil foi de 2.422, o que corresponde a 9,25%.

Pardos tiveram 9.158 candidaturas (34,99%) e os brancos tiveram 14.377 candidaturas, sendo a maior fatia do bolo, com 54,93% das candidaturas. Em 2018 o registro de candidaturas foi de 29.085 candidaturas. O registro de candidaturas de pretos e pretas em 2018 foi de 3.160, representando 10,86% do total. Pardos vem logo em seguida com 10.368 registros de candidaturas, correspondendo a 35,7%. Os brancos seguem mantendo o maior número de candidaturas, com 15.241 candidaturas, representando 52,4% do total.

Agora fica um questionamento, e as candidaturas indígenas? Em 2014 foram somente 85 candidaturas indígenas, o que correspondeu na época a 0,05% do total. Nas eleições de 2018 tivemos 133 candidaturas indígenas, o que representou 0,46% do total.

Diante do cenário nacional, como é que funciona a dinâmica das candidaturas de negros e negras no Amapá? Vamos olhar os dados das eleições gerais de 2014 e 2018.

No Amapá em 2014 tivemos 547 registros de candidaturas, sendo que 476 (87,02%) forma consideradas aptas. As candidaturas de pretos e pretas somou 65 registros válidos (11,88%) do total. Brancos tiveram 179 candidaturas (32,72%) e pardos tiveram o maior índice, com 296 candidaturas (54,11%). As candidaturas indígenas teve 3 registros válidos (0,18%).

Na eleição de 2018 o cenário não mudou, seguimos com um número significativo de candidaturas de pardos e pardas, sendo 381 candidaturas (57,47%) de um total de 563 registros válidos. Os brancos somaram 174 candidaturas (26,24%). Pretos e pretas tiveram 103 candidaturas (15,54%). As candidaturas indígenas obteve 2 registros (0,3%).

O que podemos tirar desses números?

1º) O número de candidaturas de pardos e pardas a nível nacional não corresponde ao nível local. Elas são inversamente proporcionais, sendo a nível nacional menor e a nível local maior;

2º) As candidaturas de pretos e pretas segue o mesmo padrão do nível nacional em nível local;

3º) Candidaturas indígenas segue uma sub-representação em nível local e nacional.

4º) Os brancos em nível nacional ostentam os maiores números de candidaturas, correspondendo diretamente no maior número de representatividade política, enquanto no nível local o número de candidaturas brancas é menor, porém, o número de mandatos de brancos é maior. 

Na Assembleia Legislativa do Amapá – (ALAP) em 2014 tivemos 11 pardos, 11 brancos e somente 1 pessoa negra. Em 2018 o cenário mudou, temos na ALAP atualmente 15 brancos, 7 pardos e 2 pretos. O que impede a representatividade negra na política? Essa pergunta merece duas respostas.

Primeiro, do ponto de vista partidário. A esquerda, por exemplo, urgentemente deve atuar com pautas antirracistas e não somente com pautas de classe. É dever do campo progressista mobilizar a raça como luta política fundamental.  Nesse sentido, é preciso repensar a agenda partidária contra a precarização de candidaturas negras, visando converter as candidaturas negras em mandatos.

Em segundo lugar, o que vivemos no Brasil de fato, é uma real crise de representatividade étnico-racial. Quem vota e cria leis no nosso país é a raça dominante: os brancos. Isso em virtude do racismo estrutural que penetra todas camadas da vida social. O racismo não é algo que se ver somente nos xingamentos e humilhações, mas também podemos ver na política. A política precisa passar por uma revolução que seja dos negros pelos negros. 

Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrural / Silvio Luiz de Almeida – (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro) – São Paulo: Pólen, 2019.

PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Amanhã vai ser maior: o que aconteceu com o Brasil e as possíveis rotas de fuga para a crise atual / Rosana Pinheiro-Machado – São Paulo: Planeta do Brasil.

http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais acessado em 15 de julho de 2020.


*É graduando do curso de Licenciatura em Sociologia da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Também é estudante de graduação do curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ensino Superior Amapaense – CEAP. Trabalha com os seguintes temas: Mídia e política, direitos sociais, direito e política e política e religião. Contato: niljesus33@gmail.com.

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