segunda-feira, 13 de julho de 2020

"TU SABES FULANO? LEVOU O FARELO!" - (DES) NATURALIZAR A NECROPOLÍTICA DA VIDA DO (A) AMAPAENSE


OPINIÃO – UTOPIA NEGRA

Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa*
Cleiton de Jesus Rocha**

Quando estamos caminhando pela cidade de Macapá, Santana, Porto Grande, Ferreira Gomes ou qualquer outra parte do território Amapaense. O que vemos? O que sentimos? Se você for morador(a) desses lugares, tudo poderá ser familiar, e tudo que é familiar é difícil a gente estranhar. O estranhamento, ou a percepção dele, geralmente surge quando algo “muito louco” acontece. E falamos sobre o acontecimento — através da fofoca, fuxico, da troca mensagens no WhatsApp — com amigos (as) ou os nossos familiares. Como dizemos em casa “hei bicho vai cuidar da tua vida, e deixa a vida dos outros”. 
Mas, quando tratamos de uma vida em coletividade, desde o nosso nascimento, nós já nascemos nos relacionando com os outros. Nos relacionamos com a família, com as parteiras, padrinhos, madrinhas e amigos (as). Por que estamos falando disso? Não te afoba, afobado (a)!

Você sabe o que é necropolítica? 

Necro (palavra em latim),  literalmente significa morte. E política significa toda e qualquer forma de organização social, que visa gerenciar as nossas vidas em sociedades. Logo, tudo o que nos cerca, até mesmo o que você decide vestir, comer e fazer hoje, é tudo política. Quando a sua mãe (ou pai) fala “meu (minha) filho (a) não faça isso ou não fale isso porque isso pode te prejudicar”, esse saber prático é uma leitura política — evitar conflitos. Dessa forma, meu considerado/minha considerada, necropolítica é como o Estado, a partir dos seus mecanismos de controle, a mídia, a economia e a política institucionalizada acabam por gerenciar a vida e sua finitude - escolhendo pessoas passíveis de morrer. E a morte, mais do que um acontecimento trágico, que provoca dor e luto, pode ser lucrativa ou mesmo servir para a manutenção de determinados estruturas de poder.

Que estruturas de poder são essas?

Quando falamos que o Brasil executa o genocídio da juventude negra, estamos dizendo que o Estado, através da polícia, evasão escolar e da pobreza — acaba por expor vidas de jovens negros (as) a morte. E durante décadas o Estado, sabendo disso, acaba por fechar os olhos para esse crime contra a juventude negra. 
Quando falamos sobre o feminicídio (morrer só pelo fato de ser mulher, e a chance de morte aumenta se você for negra, trans e pobre) é uma estrutura de morte (machismo) o poder masculino que a sociedade dar ao homem – só pelo fato de ser homem. E o poder está nas mãos dos homens, mas especificamente, nas mãos de homens brancos.
Às vezes quando vemos essas noticias tão banalizadas nas mídias do Amapá, não nos damos conta que a dor e o luto não são sentidas somente no momento da morte de uma pessoa que outras pessoas já amaram, o luto se torna permanente e atinge toda a família da pessoa que foi morta. E essa dor no peito de uma mãe (pai) nunca irá ser curada. É uma dor em rede, ficará no tempo e na história dessa família como uma narrativa de violência nas suas memórias.
Quando assistimos os jornais e noticiários da mídia amapaense, é cotidiano você observar imagens de prisões e apreensões, cinegrafistas filmando a cara das pessoas, ou mesmo mostrando os corpos no chão abatidos — como se essas pessoas não fossem nada — e no dia seguinte, está escrito nas matérias jornalísticas “Bandidos trocam tiros com a polícia e são alvejados pelos policiais”. Isso nada mais é que o processo de naturalização da morte, banalizamos a morte, e geralmente essa morte são de pessoas negras. Por isso, a citação no começo do texto - “sabe fulano levou o farelo” - expressa uma frase tipicamente amapaense, que retrata sobre como naturalizamos a morte de outras pessoas, e, ao mesmo tempo expõe como a necropolítica está agindo sobre a nossa consciência, os nossos sentimentos, nas nossas falas, sobretudo por influência do que assistimos e vemos no Amapá. A necropolítica como um processo de gerenciamento de pessoas matáveis está presente na política de Estado, na mídia (jornais) e só no fato de naturalizarmos a morte de “fulano”, estamos reproduzindo uma política de morte – necropolítica.

Arte: Arielson do Carmo


* Possui graduação em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amapá (2018). É membro pesquisadora do grupo de pesquisa Mídia, Política e Democracia - CNPq/UNIFAP. Tem experiência na área da Sociologia e Ciência Política, com ênfase em Processos Políticos na Mídia Digital e Políticas Públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: Mídias Sociais, Política Brasileira, Participação Social, Diversidade e Direitos Sociais. Atualmente é mestranda do curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara - FCLAr da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP. Contato: luanadarby63@gmail.com.


** Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGAS - UFRGS Graduado em Licenciatura em sociologia pela Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. Membro do Núcleo de Estudos da Religião - NER/UFRGS. Membro do Centro de Estudos Políticos, Religião e Sociedade - CEPRES/UNIFAP. Vinculado ao Laboratório de Estudos Etnográficos - LAET/UNIFAP. Áreas de interesse: Antropologia da religião, pentecostalismo, juventude, pensamento decolonial, relações étnicas-raciais e amazônia. Contato: clei2014cs@hotmail.com

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